Recentemente, foi elaborado breve artigo pela Corte de Contas do Estado de São Paulo, de autoria de Sergio Siqueira Rossi, sobre a utilização da arbitragem pela Administração Pública. Dos pontos suscitados, um chama atenção pela sua contundência e pela possibilidade de equívocos interpretativos se analisado de forma desatenta. Em suma, o autor afirma ser “de fundamental importância que as Cortes de Contas atentem para a adequação da opção pela arbitragem e de seu processamento, de modo a coibir práticas que, ao final, mostrem-se danosas ao Erário, e, via de consequência, não preservem o interesse público“.
A problemática levantada demonstra certo receio de um Tribunal Arbitral se imiscuir em questões de ordem financeira e sobre a correta e eficiente destinação de receitas, ou criação de despesas. Todavia, não foi essa a intenção da reforma legislativa que incluiu a possibilidade de a Administração Pública utilizar a arbitragem como meio de resolução de conflito, haja vista ela poder ser a ferramenta mais adequada e condizente de acordo com a complexidade do caso.
O teor do artigo, não obstante a nobre intenção do autor em defender o erário público e o interesse público, é temerário em razão de sugerir que o Tribunal de Contas possa realizar o controle do que é decidido pela jurisdição arbitral. Contudo, não é dessa forma que a preocupação do autor Siqueira deve ser interpretada.
A uma, assim como há independência entre Cortes de Justiça (Poder Judiciário) e Cortes de Contas, há também independência entre Jurisdição arbitral e Tribunais de Contas, pois nem um nem outro pode se imiscuir no mérito do que cada Corte decide.
A duas, o julgamento das Cortes de Contas não se confunde com o realizado pelo Tribunal Arbitral, o qual profere julgamento equiparado, como bem dito por Siqueira, à decisão de natureza judicial. Isso por uma razão simples: a arbitragem substitui a jurisdição estatal no momento em que existir, concomitantemente, (i) anuência das partes para (ii) resolução de conflito de direito patrimonial disponível.
A função do Tribunal de Contas, como estipulado pelo caput do art. 70, da CF, é de realizar a “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas“. Ou seja, o conteúdo de seu julgamento é eminentemente técnico e especificamente sobre matérias de cunho orçamentário, financeiro e contábil das contas da Administração Pública.
Trata-se, portanto, de análise de compatibilidade entre destinação e criação de receitas e despesas com o orçamento público, com aquilo que foi permitido gastar. O julgamento com critérios de economicidade, no qual se inclui a apreciação da eficiência dos gastos públicos, também é feito para verificar se esses valores públicos foram bem gastos. Na hipótese de não ser, a Corte de Contas pode julgar irregular o ato, mas nunca apurar a conduta em si que ensejou as perdas, haja vista isso ser atribuição das Cortes de Justiça.
Nesse sentido, o receio mencionado pelo autor do artigo diz respeito aos possíveis reflexos da decisão arbitral em questão que envolva gastos públicos, como, por exemplo, temas atinentes a reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, matérias passíveis de serem arbitráveis (direito patrimonial disponível).
Esses reajustes, havendo controvérsias, podem ser averiguados tanto pelo Judiciário como pela Arbitragem. Em ambos os casos o Tribunal de Contas pode apreciar seus reflexos na economicidade do cumprimento do contrato, mas nunca adentrar o mérito da decisão. O simples fato de ele zelar pela probidade e higidez do erário público não o autoriza a realizar controle de legalidade ou de mérito do que foi decidido por decisão judicial ou arbitral.
Em síntese, o controle a ser feito pelas Cortes de Contas restringe-se ao de legalidade, legitimidade e economicidade dos gastos públicos. O que for decidido pela via arbitral, repercuta ou não nas coisas públicas, sequer pode ser controlado pela jurisdição estatal, sendo essa lógica também aplicada ao Tribunal de Contas.
Por João Paulo Hecker da Silva, sócio do escritório Lucon Advogados. Fonte: Migalhas – quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
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