Setor público deve adotar métodos alternativos de solução de controvérsias
Os conflitos na sociedade são comuns e ocorrem diariamente. Quanto mais complexo é o meio em que vivemos, mais difícil se torna a resolução dos problemas decorrentes do convívio social do ser humano.
Com o desenvolvimento da sociedade, surge a ideia de uma terceira pessoa, imparcial ao conflito e com poderes outorgados pelo estado para solucionar as divergências que surgem desta convivência social. Nesse contexto está inserido o Poder Judiciário.
Atualmente, esse poder estatal tem tido dificuldades para dar resposta célere a todos os conflitos que chegam até ele. Por esse e outros motivos, vem crescendo no mundo o movimento a favor da adoção de técnicas de autocomposição como alternativa para a solução de conflitos.
O atual Código de Processo Civil, vigente desde março de 2016, incentiva o uso dessas técnicas, ao prever, em seu artigo 3º, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Embora atualmente venha se buscando métodos alternativos à jurisdição para a solução de controvérsias, no que tange ao Poder Público e à Administração Pública como um todo, o que se percebe, na prática, é a sua não utilização pelo setor público, seja na atuação judicial como na extrajudicial.
Como justificativa para não adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, invoca-se a indisponibilidade do interesse público, princípio basilar do Direito Administrativo, aliada a outros possíveis fatores, como a cultura de litigiosidade impregnada na sociedade brasileira e nos próprios operadores do direito.
No entanto, no atual contexto do pós-positivismo e, consequentemente, com a adoção do princípio da supremacia da Constituição e da observância dos direitos fundamentais tanto nas relações públicas quanto nas privadas, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público vêm sofrendo releitura ao longo dos últimos anos, como ressaltado por Gustavo Binenbojm:
O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre os interesses privados.
A fluidez conceitual inerente à noção de interesse público, aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol de algum interesse contraposto da coletividade), impõe à Administração Pública o dever jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretização até um grau máximo de otimização
[1].
Seguindo a ordem instaurada pelo Código de Processo Civil, de igual forma, a Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, estabeleceu critérios para o uso da mediação. Especificamente, no setor público, a lei é clara em seu artigo 32 ao prever que:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;
II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
§ 1o O modo de composição e funcionamento das câmaras de que trata o caput será estabelecido em regulamento de cada ente federado.
§ 2o A submissão do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e será cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado.
§ 3o Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial.
§ 4o Não se incluem na competência dos órgãos mencionados no caput deste artigo as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.
§ 5o Compreendem-se na competência das câmaras de que trata o caput a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares.[2]
Ainda, a Lei 13.129/2015, alterando o artigo 1º, parágrafo 1º da Lei 9.307/96, determina que a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim, as recentes alterações legislativas, com a instituição de um novo paradigma para a solução de conflitos, vêm reafirmar o que a doutrina administrativista já vinha defendendo.
Como mencionado, a Lei n° 13.140/2015 e o CPC 2015 afirmam que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos.
Tais câmaras de mediação podem funcionar dentro dos órgãos da Advocacia Pública (AGU, PGE e PGM) e têm competência para dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública, avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público e promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Assim, esses instrumentos criados pelo legislador e postos à disposição da Administração Pública para uma célere e efetiva solução de controvérsias podem e devem ser devidamente implantados e seu uso incentivado por todos aqueles que atuam diretamente na seara pública.
Casos concretos
Em um recente caso, onde os autores atuam como advogados de servidores públicos, onde caberia a aplicação da mediação, a AGU entendeu não ser possível a conciliação por não existir, ainda, regulamentação da Lei 13.140/2015.
“Considerando a indisponibilidade do interesse público, em regra, não será possível a conciliação nos feitos envolvendo este ente federal”, diz o posicionamento assinado pela procuradora da Advocacia Geral da União Letícia Balsamão Amorim no processo 3429-25.2016.4.013823.
No entanto, é preciso destacar que a Lei 9469/97 prevê a possibilidade de realização, no âmbito da AGU, de acordos, estabelecendo algumas condicionantes para viabilizar a sua celebração. E, recentemente, a Lei  13.140/2015 (Lei da Mediação) trouxe nova redação a alguns dispositivos da Lei 9469/97.
Contudo, as conciliações e acordos encontram-se momentaneamente suspensos, por determinação superior da Procuradoria-Geral da União, até a edição e publicação da necessária regulamentação da legislação mencionada.
Um segundo caso é um procedimento de solicitação da intervenção do setor da AGU responsável pela mediação nesta instituição[3]. No caso, o conflito está relacionado ao desastre natural provocado pela Samarco em Bento Rodrigues do dia 05 de novembro  de 2015. Foi feito, em 2016, um pedido de intervenção da AGU para mediar os conflitos decorrentes desse acidente. Este procedimento, embora urgente, tramita no setor, para avaliação do cabimento ou não da intervenção.
Um terceiro caso que é citado para melhor avaliação do problema aqui relatado são conflitos que surgem por divergências entre servidores de um mesmo local de lotação ou, ainda, entre estes e o ente público. Como casos de conflitos na Universidade Federal de Viçosa, onde os autores deste artigo trabalham na assessoria de docentes da instituição.
Quantos conflitos internos não são resolvidos ou acabam indo para o Poder Judiciário pela ausência de um setor de mediação no órgão? Há conflitos que, inclusive, interferem negativamente no exercício da função pública gerando ineficiência, desgastes do servidor e, em alguns casos, licenças de diversas espécies.
Portanto, a Administração Pública deve se convencer da importância de se adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, diligenciando para implantar uma rotina de autocomposição em suas relações. Isso certamente contribuirá para a melhoria do serviço público e para o ambiente de trabalho dos servidores públicos, acarretando na mudança de paradigma que vem sendo defendida pela doutrina e implantada paulatinamente pelo ordenamento jurídico pátrio.
Percebe-se, assim, ser urgente que o Poder Público implemente, de forma rápida e integral, o CPC e a Lei 13.140/2015 para que os servidores e particulares possam resolver, de forma mais eficiente, eventuais conflitos decorrentes do exercício da nobre função pública. Quem ganha, no final, é a sociedade, com a realização do interesse público.
[1] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. P. 31.
[2] BRASIL. Lei nº LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO DE 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em 12 abr. 2017.
[3] Procedimento número NUP 00400.000903/2016-53 – CCAF-CGU-AGU
Por Leonardo Pereira Rezende, advogado e sócio do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados. E Mônia Aparecida de Araújo Paiva, advogada do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2017, 7h40
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